sábado, 22 de janeiro de 2011

Homilia de um amigo de infância de Dom Manoel

Doutor em Direito Canônico, Mons José Geraldo Caiuby Crescenti conheceu Dom Manoel Pestana Filho em janeiro de 1943. José Geraldo tinha 12 anos de idade, Manoel Pestana, 14 anos. Em outubro de 1949, viajaram juntos para Roma. Foram colegas de turma na Gregoriana. Dom Manoel foi ordenado presbítero a 5 de outubro de 1952 em Roma. Mons. Crescenti, fambém em Roma, a 5 de julho de 1953. Dom Manoel retornou ao Brasil logo após a ordenação de Mons. Crescenti. Este permaneceu em Roma mais dois anos para estudar D. Canônico, mas mantendo contato epistolar com ele.

Em Santos (SP), Mons. Crescenti foi companheiro de lutas e sofrimentos de Dom Manoel, juntamente com Pe. Heládio Alvarez Rodrigues. O trio recebeu o apelido irônico de "os três mosqueteiros". Por usarem batina, eram considerados "rebeldes" contra, talvez "uma autoridade pós-conciliar desconhecida e inexistente".

A homilia proferida por Mons. Crescenti na Santa Missa de Sétimo Dia de Dom Manoel Pestana tem muitos pontos em comum com o texto que eu escrevi "Sobre a morte de meu Bispo Emérito". A coincidência reside na identidade da fonte (Dom Manoel) na qual haurimos as mesmas informações.


PALAVRAS PROFERIDAS POR MONS. JOSÉ GERALDO CAIUBY CRESCENTI, POR OCASIÃO DA SANTA MISSA DE 7º DIA, CELEBRADA NA CATEDRAL DE SANTOS, A 14 DE JANEIRO DE 2011, POR ALMA DE DOM MANOEL PESTANA FILHO

O falecimento de um fiel oferece ocasião para discorrer sobre os dons de que era ornado e agradecê-los a Deus.

Falar de Dom Manoel Pestana Filho como inteligência brilhante, cultura universal e profunda; homem totalmente desprendido de si, para dedicar-se febrilmente a Deus e às almas; humilde, bondoso que atraiu inumerável legião de pessoas; empolgante mestre, pai espiritual para muitos de seus alunos – seria por demais sabido.

O que mais caracterizou Dom Pestana foi o amor à verdade, fruto de seu caráter retilíneo e de amor à Igreja.

Apesar de sua extrema bondade e retidão, foi incompreendido e criticado por não poucas pessoas.

Para se compreender devidamente esse fato seria importante retroagir no tempo e recordar os anos posteriores ao Concilio Vaticano II, encerrado em 1965.

Instalou-se, então, em boa parte da Igreja, sob o pretexto de desejável renovação, uma onda de rebelião contra o passado.

Paulo VI, na audiência geral de 18 de setembro de 1968, condenou esse “espírito de crítica corrosiva, tornado moda em alguns setores da vida católica”[1]. E, em outras oportunidades, alertou contra a contestação na Igreja sobre diversos pontos [2].

Bento XVI, em 22 de dezembro de 2005, a respeito da interpretação do Concílio Vaticano II, fala de uma “hermenêutica de descontinuidade e ruptura”, “apoiada não raramente pela simpatia da grande mídia e também por uma parte da teologia moderna”, causadora de confusão, “pois leva a uma ruptura entre a Igreja preconciliar e a Igreja posconciliar[3].

Dom Pestana, com serenidade, procurava defender a Santa Igreja contra as errôneas interpretações do Concílio Vaticano II.

Isso lhe valeu, por parte de alguns, as acusações, em síntese, de retrógrado e rebelde.

Sua nomeação ao Episcopado foi uma reparação a essas acusações, uma declaração de inocência, pois a vida de um candidato a Bispo passa por severo crivo da Santa Sé, mediante minucioso e secreto processo informativo.

Sua sagração episcopal a 18 de fevereiro de 1979, nesta Igreja Catedral, foi um verdadeiro triunfo!

A diocese de Anápolis, para a qual fora nomeado bispo, era extremamente carente de clero.

Convencido de que a obra de evangelização não pode ser feita devidamente sem o sacerdote, abriu, logo no ano seguinte à sua chegada, o Seminário Diocesano, hospedando em sua própria residência os primeiros candidatos ao sacerdócio.

Como norma pastoral, costumava nortear-se pelos seguintes princípios, que citava algumas vezes: Omnia videre, multa tolerare, pauca corrigere (ver tudo, tolerar muito, corrigir pouco). Em outras palavras: após atenta observação, corrigir apenas o principal.

Mas, ao notar algo que lhe parecesse importante corrigir, não pecava por omissão, lembrando a frase de Santa Catarina de Siena: “o mundo morre pelo silêncio” e outra de Leão XIII: “a audácia dos maus se alimenta pela covardia dos bons”, ambas as frases também frequentemente por ele citadas.

Assim, notando o abuso da absolvição coletiva, tornada praticamente habitual em Anápolis, corrigiu essa falha, e deu o exemplo de confessar pessoalmente os fiéis.

Apesar de sua bondade e critério, sofreu, durante três anos, duras críticas e incompreensões, por parte de alguns elementos da cidade de Anápolis – poucos, mas afoitos e organizados – que não toleravam suas orientações. As acusações se tornaram públicas, mas Dom Manoel Pestana, imitava o silêncio de Jesus diante de Pilatos e não se defendia.

Tornando-se mais grave a situação, correram em defesa do inocente Bispo, publicamente e por escrito, os sacerdotes seculares da cidade de Anápolis.

Nessa ocasião, foi-lhe de especial auxílio o Exmo. Revmo. Sr. Dom José Silva Chaves, então Bispo da diocese de Uruaçu (GO), vizinha à diocese de Anápolis.

Esse insigne Bispo, hoje emérito, goiano de nascimento, profundo conhecedor da região e do povo goiano, transitava amiúde por Anápolis. Tomou, assim, conhecimento da situação em que se encontrava o novo Bispo, a quem passou a admirar. Conhecia bem a origem das injustas acusações e seus acusadores. Promoveu e obteve, em favor de Dom Pestana, uma manifestação de apoio dos Bispos do Regional Centro-Oeste e da Assembléia Geral da CNBB.

Serenados os ataques, pôde Dom Pestana continuar o trabalho em prol das vocações sacerdotais, construindo o belo e amplo edifício do Seminário Maior, enriquecendo a Diocese de Anápolis de dezenas de sacerdotes, por ele bem formados.

Fez vir da Europa os Cônegos Regulares da Santa Cruz, que construíram o Mosteiro, onde receberam e recebem sólida formação intelectual os seminaristas da diocese de Anápolis.

Estimulou os movimentos de leigos da Diocese, merecendo especial menção o Movimento Pró-Vida, que se tornou ponto de referência no Brasil.

Não faltaram, todavia, a Dom Pestana, fora da diocese de Anápolis, ataques contra sua orientação, que ele suportou com imperturbável tranquilidade.

Donde provieram tanta coragem e serenidade a esse grande homem, tão sofrido, para carregar heroicamente a sua pesada cruz?

A chave de explicação encontra-se na vivência de seu lema episcopal In Te projectus, tirado do Salmo 21, v. 11, e que poderia ser traduzido: eu fui arremessado (lançado) para Vós (ó Senhor).

Trata-se da visão profética dos sofrimentos de Cristo que, num clamor, deposita no Pai toda a sua confiança.

Dom Manoel Pestana vivia arremessado, engolfado em Deus. E em Deus encontrava irradiante conforto para quantos o procuravam.

Na oração e na penitência purificava sua alma para poder bem exercer seu ministério.

Penitência: sou testemunha pessoal de que, durante alguns anos consecutivos, Dom Manoel Pestana, em Anápolis, em cada sexta-feira da semana, dedicava-se a total jejum, abstendo-se completamente de alimento sólido ou líquido, tomando apenas água natural. Por prescrição médica foi obrigado a suspender posteriormente essa prática.

Em suas visitas a Santos hospedava-se ultimamente numa casa religiosa dedicada a moradores de rua. Aí foi encontrado morto, jazendo no solo. Entregou sua bela alma a Deus como sempre viveu: escondido, humilde, pobre entre os pobres.

No desprendimento total de si, voltado para Deus, transmitia Deus aos homens!

Oxalá aprendamos desse amigo, irmão e pai, a lição que nos deixou: viver intensamente para Deus, IN TE PROJECTUS!

Amém. Assim seja!



[1] Cfr. Di fronte alla contestazione- Testi di Paolo VI – A cura di Virgilio Levi – Milano: Rusconi Edittore, 1970, p. 21.

[2] Cfr ibidem et passim

[3] Cfr. AAS vol. XCVIII (2006), pp. 45-46; Insegnamenti di Benedetto XVI, vol. I (2005, p.1024.

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